23 dezembro 2008

pedaço de pêssego

Lá fora, a chuva é um som distante e um esmalte cor de café que insiste em ficar colado na lembrança daquela tarde.
A própria noite parecia ter aquela cor. Como se não fosse noite ainda e já tivesse deixado de ser dia, um anoitecer cor de café. Pensou na lata de pó para fazer capuccino dentro do armário, mas só pensou. Estava muito longe.

Mas acabou o açucar. A frase surgiu na mente e ela divagou no som que as palavras tinham. A-ca-bou---o---a-çu-car. ca-pu-cci-no. Pensou no duplo c da palavra capuccino. Era um som tão agradável que ela não sabia se matava a sede ou se dava vontade de beijar alguém.

Preferiu pegar água gelada. Não havia ninguém na casa. Se beijasse seu velho gato, o pelo daria cócegas no nariz.

Riu, sem se preocupar em rir alto, porque não havia ninguém para olhar. Não havia motivo para se preocupar com opiniões. Ali, era selvagem e rainha e seria também mendiga se quisesse, esmolando carícias, era seu território. Os azulejos branco e pretos a olhavam de volta com seus pequenos reflexos. E ela se sentiu feita de luz. E a chuva caiu mais forte, virou um som que ocupava sua mente e batia nos vidros. Ela olhava as gotinhas que se acumulavam no beiral, levando junto grãos de poeira e folhas miúdas. Encheu o copo de água gelada, e ficou parada olhando a chuva. A sombra da chuva batendo no vidro brincava nos seus braços.
_
Lento, um pensamento se infiltrava na sua mente. Uma idéia boba qualquer sobre ir embora, abandonar tudo, país, emprego, profissão, ir para outro lugar. Procurar coisas que não sabia o que eram, mas ainda assim faziam falta. Mandaria postais da Turquia aos amigos e alugaria uma caixa postal quando chegasse em Praga.

Nenhum comentário: