As vezes eu sei que meus olhos são mais duros do que eu gostaria. E que eu tenho um frio na voz que mata os outros. As vezes eu sei que sou quase má. Mas as vezes, eu gosto. Gosto de ser marcial e ao mesmo tempo, ter uma malícia. De ser rígida e de repente romper a gargalhada. E que minha gargalhada não tem limite nem sentido, e fere sem dó tanto quanto dá prazer. E as vezes, eu me acho bonita assim, tanto gostando de machucar quanto de dar prazer.
Gosto de olhar para mim e ver o que está além. E de ver atrás das pulseiras e do anel um outro brilho. Gosto do jeito como seguro o cigarro quando me entrego a vida. Gosto do jeito como fecho os olhos enquanto escuto histórias.
As vezes sinto em mim feitiços de serpente. E as vezes é só como se eu fosse uma corrente de água descendo pela montanha, afogando tudo que existe no caminho. Eu incluso.
E adoro.
As vezes isso me dá medo. As vezes eu me lembro que é da minha natureza que o fogo evapore a água e que eu sou feita de neblina e vendaval. E eu rio alto, sem medo. E meu olho tem um brilho de predador nessa hora. E eu me felicito com quem eu sou. Com tudo que eu sou. Cada sombra e cada morte. Cada marca e cada desenho que a pele forma.
E as vezes eu não sei onde eu termino e começa a sombra. E não sei onde termina a dança e começa a fuga. As vezes meu olho brilha e não sei se sou criança ou se sou um monstro fatal.
As vezes sou só mulher. As vezes, sou mais.
As vezes gosto do tom rouco da minha voz, e acho sensual falar assim, principalmente falando com mulheres. As vezes tenho vergonha e fico sem falar. E quando a voz surge, é forte e alta e poderosa. E quase me dá medo. Mas eu gosto. Gosto de ver o medo nos olhos das outras pessoas.
As vezes eu assusto. As vezes me derreto. Tem horas que sou só uma menininha andando pelo meio fio da rua, colhendo ramos de ipoméia e tecendo coras sem jeito com eles. Mas as vezes, é a filha da rainha Mab que tece coroas de trepadeiras de flores brancas e suspeitas, e olha como quem sabe de coisas venenosas e proibidas que brotam nos jardins.
As vezes, eu fumo meus cigarros e me escondo sob o cobertor, com medo do amanhã. E as vezes, eu me entrego gloriosa ao ar da noite, venerando o ato de estar viva e dançar entre as serpentes.
Tem horas que as flores que ramejam pelas minhas roupas parece que se mexem, e suspiram, vivas. E nessas horas eu me lembro que é melhor respirar mais devagar e segurar o grito, antes que seja tarde demais para me lembrar que amanhã é uma segunda feira e eu preciso ser uma menina comportada e ir dormir...
(05/outubro/2008)
o livro: “um pedaço de chuva no bolso”
Há 10 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário